Na última segunda-feira (27), o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu, por meio de liminar, o novo Plano Diretor de Cotia, que permitia construções de até 30 andares em áreas anteriormente restritas a edificações menores. A decisão do desembargador Mário Devienne Ferraz atendeu ao pedido do Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, e marca uma vitória histórica para os moradores e entidades de defesa do meio ambiente da região.
A suspensão das Leis Complementares n.º 380 e 381, de 2024, é resultado direto da mobilização de moradores, grupos sociais e organizações ambientais, especialmente na Granja Viana. A polêmica começou quando as alterações no Plano Diretor permitiram a construção de prédios de até 30 andares, inclusive em áreas antes consideradas exclusivamente residenciais, como as Zonas Estritamente Residenciais (ZER), que passaram a ser classificadas como Zonas de Uso Misto (ZUM).
O desembargador Mário Devienne Ferraz destacou que as leis foram aprovadas sem planejamento técnico atualizado e sem participação popular efetiva. A medida coloca em xeque os mais de 2 mil alvarás emitidos, gerando um impasse jurídico e econômico para o município e o setor imobiliário.
A administração municipal, sob comando do novo prefeito Wellington Formiga (PDT), entrou com embargos de declaração para esclarecer o alcance da medida judicial. A principal preocupação da gestão atual é com a paralisação de obras em andamento e o possível cancelamento de empreendimentos aprovados sob as regras do plano suspenso.
A Prefeitura argumenta que a suspensão do plano sem modulação pode acarretar “relevante custo econômico”, já que muitas obras foram iniciadas com base nas novas regras. O município também levanta a questão sobre o que acontecerá com os empreendimentos licenciados entre maio de 2024 e a suspensão judicial, incluindo os 1.117 alvarás de construção, 541 alvarás de regularização e 19 de terraplanagem.
Empresários e construtoras aguardam uma resposta, temendo prejuízos financeiros elevados caso haja revogação das autorizações concedidas.
A suspensão das diretrizes do plano diretor coloca em risco mais de 2.046 alvarás concedidos entre maio de 2024 e janeiro de 2025, incluindo:
Os números de licenciamento apresentados pela Secretaria Municipal de Habitação demonstram um aumento expressivo na concessão de alvarás desde 2022. Os dados apontam:
Especialistas urbanos apontam que esse crescimento repentino pode estar ligado à aprovação do plano diretor, levando à especulação imobiliária e concessão acelerada de licenças antes de qualquer questionamento judicial.
Caso o TJ-SP mantenha a decisão, a Prefeitura poderá enfrentar uma avalanche de ações judiciais de empreendedores e construtoras que já investiram em terrenos e projetos baseados no plano suspenso. O advogado Heitor Marzagão Tommasini, especialista em direito ambiental e urbanístico, alerta que "os alvarás já expedidos podem ser anulados, obrigando ajustes dos projetos às normas anteriores, o que pode gerar grandes prejuízos financeiros e insegurança jurídica".
Por outro lado, o MP e entidades como a Associação de Amigos e Moradores da Granja Viana (Amogv) e o Conselho Nacional de Defesa do Cidadão (CONDEC) defendem que a revogação dos alvarás irregulares é necessária para evitar danos ambientais irreversíveis.
Já os representantes do setor imobiliário, como Caio Portugal, vice-presidente do Secovi-SP, argumentam que a indefinição prejudica não apenas investidores, mas toda a economia local:
“É ruim para todo mundo, não só para o mercado imobiliário, mas para a sociedade. Só traz clandestinidade, irregularidade e insegurança jurídica.”
Desde os anos 1980, há tentativas de verticalizar Cotia e principalmente a Granja Viana, mas todas encontram forte resistência da população. Em 2022, um plano similar foi barrado judicialmente após ação do MP. O projeto suspenso atualmente previa edifícios de até 30 pavimentos ao longo das rodovias Raposo Tavares, Rodoanel e Bunjiro Nakao, áreas que passarão por amplas obras de infraestrutura após concessão à iniciativa privada.
O plano previa que, nas margens dessas rodovias, prédios de 25 a 30 andares poderiam ser construídos em corredores comerciais. Antes, essas regiões permitiam edificações de, no máximo, quatro pavimentos.
O MP-SP argumenta que a revisão do zoneamento desconsiderou impactos ambientais e sociais, facilitando a ocupação de áreas sensíveis sem planejamento adequado.
Diante do impasse, a Prefeitura anunciou a revisão do Plano Diretor, com participação popular e embasamento técnico atualizado. Especialistas como Ivan Carlos Maglio, do Instituto de Estudos Avançados da USP, afirmam que "Cotia precisa de um planejamento urbano estruturado e baseado em estudos técnicos atualizados, não em decisões apressadas que favorecem apenas o mercado imobiliário".
O desenrolar dessa disputa será crucial para o futuro do município, que está na rota de expansão da metrópole paulistana, mas precisa conciliar crescimento com sustentabilidade. O TJ-SP ainda julgará o mérito da ação, e até lá, a cidade vive um impasse que pode redefinir suas diretrizes urbanísticas para os próximos anos.