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Educação interrompida

29% da população entre 15 e 64 anos é considerada funcionalmente analfabeta

Jornalismo
Por: Jornalismo
06/06/2025 às 23h50 Atualizada em 07/06/2025 às 00h02
Educação interrompida
No Brasil do século 21, um dado persiste como denúncia silenciosa de um fracasso coletivo: 29% da população entre 15 e 64 anos é considerada funcionalmente analfabeta. Esse percentual, revelado pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), não apenas estagnou desde 2018 como retrocedeu em relação a 2009, quando o índice era de 27%. Entre os maiores de 50 anos, a situação é ainda mais dramática: metade desse grupo está nessa condição. É uma verdadeira tragédia nacional. Essa realidade escancara, mais do que uma lacuna educacional, uma espécie de exclusão social sistemática, que compromete a cidadania e o próprio desenvolvimento do país.
O estudo classifica o analfabetismo funcional em dois níveis: absoluto e rudimentar. Na edição mais recente, 7% da população entre 15 e 64 anos foi identificada como analfabeta absoluta — pessoas que não conseguem ler palavras simples ou sequer reconhecer um número de telefone. Já 22% apresentam alfabetismo rudimentar: sabem ler e escrever, mas enfrentam grandes dificuldades para compreender textos mais complexos ou realizar operações matemáticas com números maiores. Somados, esses dois grupos representam os 29% da população considerados funcionalmente analfabetos.
Trata-se de uma condição que tira a autonomia dessas pessoas e amplia a sua dependência em um mundo cada vez mais letrado, digital e acelerado. Ao mesmo tempo, limita drasticamente o potencial produtivo e crítico da sociedade.
Em paralelo, uma segunda pesquisa, conduzida pelo Todos Pela Educação e pelo Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), mostra que a aprendizagem dos estudantes brasileiros não voltou aos níveis pré-pandemia e que as desigualdades educacionais se agravaram, sobretudo no que se refere à dimensão étnico-racial. Entre 2013 e 2023, cresceram significativamente as disparidades de desempenho, sobretudo em língua portuguesa e matemática, de estudantes pretos, pardos e indígenas, na comparação com alunos brancos e amarelos.
Essas duas realidades — o analfabetismo funcional e as desigualdades raciais na educação básica — não são fenômenos isolados. Elas compõem um mesmo enredo de exclusão social, onde a pobreza, o racismo e o abandono institucional se entrelaçam. O analfabetismo funcional de hoje é o efeito acumulado de um sistema que, desde a infância, falha em acolher, apoiar e ensinar milhões de estudantes. Por outro lado, quando se nega, ano após ano, uma educação de qualidade a certos grupos da sociedade, o que se planta é justamente esse futuro de limitações e exclusão.
Diante desse cenário, é urgente que o Brasil assuma um compromisso real com a superação dessas desigualdades. Um dos caminhos mais potentes – e frequentemente negligenciado – é o investimento consistente na Educação de Jovens e Adultos (EJA). A EJA é muito mais do que uma segunda chance: ela é um direito. Ela representa a possibilidade concreta de reconstrução de trajetórias interrompidas pela pobreza, pelo racismo, pela desigualdade de gênero e outras barreiras estruturais.
Quando um adulto retorna à escola, ele não apenas amplia suas possibilidades de inserção no mundo do trabalho e de participação cidadã, mas também transforma a relação de sua família com o saber. Estudos mostram que filhos de pais escolarizados tendem a permanecer mais tempo na escola e a apresentar melhores resultados educacionais. Ou seja, investir na EJA é investir também nas próximas gerações.
No entanto, a EJA, por si só, não pode ser a única frente de atuação. Para romper o ciclo da desigualdade educacional, é indispensável atuar desde o início do processo formativo. Isso significa garantir acesso, permanência e aprendizagem de qualidade para todas as crianças e adolescentes, especialmente para aqueles grupos que historicamente foram marginalizados pela escola. É necessário valorizar a diversidade étnico-racial como elemento central do currículo, formar professores para atuar com sensibilidade cultural e combater o racismo estrutural que se manifesta cotidianamente nas salas de aula.
O Brasil não pode aceitar como natural que quase um terço de sua população adulta esteja à margem das competências básicas de leitura e escrita. Tampouco pode se conformar com uma escola que perpetua a exclusão de seus estudantes mais vulneráveis. A educação precisa ser um instrumento de transformação social real, e isso só será possível quando deixarmos de enxergar esses dados apenas como estatísticas e passarmos a vê-los como o retrato de vidas que poderiam ter sido diferentes. A justiça social começa pela educação – e já passa da hora de agir.
Dimas Ramalho é conselheiro-corregedor do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo
Siga no Instagram: @dimasramalho

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Dimas Ramalho
Dimas Ramalho
Dimas Ramalho tomou posse como Conselheiro do TCESP em agosto de 2012. Foi eleito presidente da instituição para os exercícios de 2016 e 2022. Previamente, construiu carreira política que soma três mandatos de deputado federal e três mandatos de deputado estadual, sendo Araraquara o seu domicílio eleitoral. Acumulou também experiências de gestão no Poder Executivo do Estado e do município de São Paulo.

Formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), foi membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Ingressou na carreira de Promotor de Justiça em 1980 e tornou-se Procurador de Justiça em 1994. No âmbito acadêmico, é coordenador dos cursos de pós-graduação latu sensu em Direito da Uninove.
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