A tradicional Congada de São Benedito de Cotia, considerada Patrimônio Cultural Imaterial da cidade e do Estado de São Paulo, foi envolvida em uma polêmica de bastidores que está sendo investigada pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). Em entrevista concedida ao Granja News Cast, no dia 1º de maio de 2025, membros da diretoria da festa afirmaram que não foram consultados nem informados previamente sobre a contratação do grupo Negritude Jr., que se apresentou na festividade com um cachê de R$ 67 mil, pago com recursos da Prefeitura.

A contratação é alvo de investigação por suspeita de conflito de interesses, favorecimento e uso indevido de verba pública, já que foi feita sem licitação e envolveu diretamente a empresa de Roneia Forte Corrêa, então assessora do vereador Alexandre Frota (PDT). O contrato foi assinado pelo secretário municipal de Cultura, Pedro Peixoto, biógrafo e indicado político do próprio vereador.

Dois meses após a contratação polêmica do grupo Negritude Jr. para a Festa da Abolição – Salve 13 de Maio da Congada de São Benedito, uma nova peça do quebra-cabeça ajuda a entender como o evento tradicional de Cotia foi parar no centro de uma investigação do Ministério Público. Entrevistas concedidas em maio de 2025 por integrantes da diretoria da Congada e, depois, pela própria Secretaria de Cultura, revelaram um profundo desgaste institucional e falhas graves de comunicação.

No dia 1º de maio, o programa Granja News Cast recebeu Zeti Castro — filha de Seu Dito da Congada e guardiã da manifestação —, ao lado de Geraldo Gonçalves Santos e Dr. Marquinhos, além do vereador Marcinho Prats. Durante a conversa, os convidados relataram que a diretoria da Congada não foi consultada sobre a contratação do show, que foi feita por inexigibilidade de licitação. 

“É importante ter um show de peso, o povo pensa que a escolha do artista é nossa. Nunca a secretaria de Cultura deu essa opção, eles que escolhem, decidem e trazem a decisão pronta", afirmou Zeti Castro.

“A gente só é lembrado na última hora, isso compromete a organização de uma festa que é patrimônio cultural”, completou Geraldo.

Secretário rebateu críticas em entrevista posterior

A repercussão das falas da diretoria levou a Secretaria de Cultura a solicitar participação no mesmo programa. Em 9 de maio, o secretário Pedro Peixoto e o secretário-adjunto Vavá Oliveira gravaram uma nova entrevista no estúdio do Granja News.

“Isso não é um direito de resposta. É uma questão de colocar as coisas no lugar”, disse Pedro logo no início da gravação, demonstrando desconforto com as críticas públicas.

Peixoto admitiu que a escolha pelo grupo Negritude Jr. foi pessoal dele, informando que antes havia considerado a contratação do grupo Art Popular, mas que a opção foi alterada por questões de agenda.

“Pensamos inicialmente no Art Popular, mas houve impedimentos. Estamos muito felizes com o Negritude. Eles têm história, representatividade e identidade cultural”, afirmou.

Vavá, por sua vez, rechaçou as críticas de abandono institucional:

“Dizer que eu não conheço a Congada é um absurdo. Estive em reuniões, participei de encontros, acompanhei a organização desde dezembro. Essa gestão se empenhou como nenhuma outra na festa.”

As falas deixaram claro que existiu um desgaste entre a diretoria tradicional da Congada e os atuais gestores da Cultura em Cotia. Geraldo também havia reclamado da morosidade da Secretaria em responder ofícios e demandas da organização, o que teria prejudicado a estrutura da festa:

“A gente entrega tudo com antecedência, mas não temos resposta. Quando vem, é em cima da hora, e aí não dá tempo de organizar como deveria”, lamentou Geraldo na ocasião.

Investigação avança

A contratação do Negritude Jr. é alvo de denúncia publicada com exclusividade pelo site Metrópoles, que apontou possíveis indícios de nepotismo cruzado, favorecimento pessoal e direcionamento de verba pública. O caso está sendo investigado pelo MP, que apura se houve irregularidade na contratação via inexigibilidade e se o vínculo da empresa com Roneia Forte Corrêa — então assessora de Frota — violou os princípios da administração pública.

Roneia, mesmo exonerada, continuou atuando informalmente como assessora de imprensa do vereador Frota, disparando materiais à imprensa até 16 de junho de 2025, como apontou a reportagem do Metrópoles. O secretário Pedro Peixoto, autor da biografia de Frota e indicado ao cargo pelo próprio vereador, também está sob suspeita no inquérito que apura possível favorecimento político e uso indevido de recursos públicos.

Clima tenso e recesso na Câmara

A Câmara Municipal de Cotia entrou em recesso no último dia 24 de junho, com retorno previsto apenas para agosto. Durante esse período, as sessões ordinárias estão suspensas, mas os bastidores políticos seguem agitados. Frota já enfrenta outro processo por quebra de decoro parlamentar, e esta nova denúncia pode aumentar a pressão por sua cassação.

A festa da Congada, que deveria representar um símbolo de união, memória e resistência negra, foi envolvida em uma crise que foge completamente de seus propósitos originais.